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A apuração do ITCMD sobre a transmissão de participações societárias no Estado da Bahia

A Carta Magna de 1988 estabelece que é da competência dos Estados e do Distrito Federal, a instituição do imposto sobre de transmissão causa mortis e doação. O ITCMD tem por hipótese de incidência a transmissão da propriedade de bens e direitos em decorrência do falecimento de seu titular (causa mortis) ou de cessão gratuita (doação). A Constituição Federal prevê que no caso de bens imóveis (e direitos respectivos), o imposto compete ao estado em que se encontra situado o bem (art. 155, § 1º, inc. I), e na hipótese de bens móveis, compete ao Estado onde se processar o inventário ou o arrolamento (na transmissão causa mortis), ou onde tiver domicílio o doador (art. 155, § 1º, inc. II).

O CTN – Código Tributário Nacional dispõe normas gerais em matéria de legislação tributária. Por sua vez, quanto a apuração do ITCMD, somente versa em seu artigo 38 que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens e direitos transmitidos.
A omissão da apuração do valor venal e demais requisitos é complementada pelas legislações estaduais, na Bahia pelo Decreto Estadual nº 2.487 de 16 de junho de 1989, que regulamenta a cobrança do Imposto sobre Transmissão “CAUSA MORTIS” e doação de quaisquer bens ou direitos (ITD), nos seguintes termos:

Art. 13. O valor venal, salvo os casos expressamente consignados neste Regulamento, será apurado em avaliação de iniciativa da Secretaria da Fazenda, ressalvado ao contribuinte o direito de requerer avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
Percebe-se que o decreto em questão, estabelece algumas previsões acerca da tributação do ITCMD, mas fica evidente a necessidade de criação de normas que informem de forma clara como deve ser apurado o valor venal dos bens e os critérios para aplicação para cálculo do respectivo tributo.

Estabelecidos os aspectos iniciais do ITCMD e as suas disposições legais aplicadas ao tema, tem-se, portanto, o ponto principal do estudo, qual seja, a base de cálculo do imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quotas de capital de sociedade empresária no estado da Bahia.

A referida abordagem teve a sua válvula propulsora quando foi percebido aumento de demandas, que em síntese, perfazem os seguintes fatos: em processo de inventário, ou seja, na transmissão causa mortis, o Estado da Bahia, para apuração do valor venal das quotas, se utiliza do método do fluxo de caixa descontado, somando o respectivo resultado ao patrimônio líquido para apuração da base de cálculo do ITCMD.

Evidente que o método do fluxo de caixa descontado é utilizado como parâmetro para transações de compra e venda de participações societárias, nesta situação as duas partes manifestam intenção de celebrar o negócio e o comprador aceita pagar determinado valor pela participação, situação totalmente contrária a um falecimento de um sócio, há um fato involuntário, ao perder um de seus sócios ou seu único sócio a sociedade pode ter a sua continuidade comprometida e consequentemente o seu valor.

Adicionalmente, tivemos a pandemia com a COVID-19, que impactou negativamente os valores da maioria empresas, bem como contribuiu com o fechamento de 600.000 estabelecimentos em todo o país, entre os anos de 2020 e 2021 (Fonte: IBGE).
Cito Wilson Hoog, que avalia o método do fluxo de caixa descontado da seguinte forma:

“o fluxo de caixa descontado avalia o negócio em si (…) não na data do reembolso aos sócios, mas sim em data futura, pois está lastreado em eventos futuros, que pode ser uma projeção de caixa para 5 ou 10 anos trazidos a valor presente, por uma taxa de desconto, mais um valor residual a título de perpetuidade, logo, não se trata de um justo valor ou justa base referencial para um reembolso ao acionista que se desliga, e sim de uma expectativa, quiçá, uma especulação, ou premonição de um resultado que não é o presente, e sim um futuro presumido pela via da premonição, desde que várias hipóteses venham a ocorrer no futuro”.

Além disso, aumentar o valor da empresa seria um procedimento totalmente em desacordo com as normas contábeis, pois isso seria um reconhecimento de goodwill, algo que somente é previsto pela legislação quando ocorre uma combinação de negócios (aquisição de controle).

Este modelo de avaliação apresentado pelo Estado para base de tributação do ITCMD nos faz questionar se este é o modelo ideal para cálculo do tributo? Admitir o método apresentado implica em majoração na base do cálculo do ITCMD atentando contra o princípio da capacidade contributiva.

Enquanto não se tem a definição legal sobre o método de avaliação que o Estado deve realizar, compreendemos que o critério razoável para apuração da base de cálculo do tributo é o valor patrimonial, isto é o valor contábil da empresa, que é obtido por meio da apuração do patrimônio líquido de acordo com as normas contábeis.

Algo que corrobora com o nosso entendimento por analogia, foi o julgamento procedido pelo STJ a despeito que a metodologia do fluxo de caixa não deve ser aplicada para apuração de haveres na dissolução parcial e a conclusão de que o sócio que se retira (ou seus herdeiros) não tem direito ao que a sociedade poderá vir a lucrar no futuro. O tema foi julgado pela 3ª turma do STJ, cujo julgamento foi finalizado em 14/05/2021 e alguns itens abordados são de grande relevância para fundamentar o que abordamos:

a metodologia de fluxo de caixa descontado está associada à aferição do valor econômico com objetivo de orientar negociações, mensurando o quanto seria racional alguém pagar para se tornar seu titular.
(…)
Ora, da análise dos precedentes acerca do tema, constata-se sempre presente a preocupação de que o valor da quota do sócio retirante corresponda ao mais próximo possível do real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu valor patrimonial real.
Para tanto não se presta a avaliação, com base no valor econômico, feita por modelos como o de fluxo de caixa descontado, destinado a nortear negociações ou investimentos, porquanto comporta, como visto, relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos.
Essa incerteza – que advém de fatores macroeconômicos (taxa de crescimento do PIB, taxa de juros, taxa de desemprego), jurídicos (normas regulatórias e normas que criem ou ampliem incidências tributárias) e também internos (a própria gestão da empresa) – torna, a meu ver, a metodologia do fluxo de caixa descontado desaconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
(…)
Logo, o método amplamente indicado, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, na verificação da apuração de haveres dos sócios é o do valor patrimonial com base no balanço de determinação.

Logo, o critério utilizado pelo Estado da Bahia poderá acarretar questionamentos e ocasionar aumento nas demandas judiciais para discussão da base de apuração do ITCMD em participações societárias.

Referências:
BIFANO, Elide Palma. Os Efeitos da Avaliação a Valor Justo de Ativos e Passivos na Apuração do ITCMD Devido no Estado de São Paulo sobre a Transmissão de Participações Societárias. Revista de Direito Tributário Atual, Volume 42, 2019;
Análise e Críticas ao Novo Critério utilizado pelo Estado do Rio Grande do Sul para Tributação pelo ITCMD das Ações, Quotas, Participações ou Quaisquer Títulos Representativos do Capital Social de Empresas de Capital Fechado. Revista de Estudos Tributários, Volume 139 Maio-Junho, 2021.
JARDIM, Guilherme Rauen Silva. Método contábil de apuração de haveres de sociedade limitada quando não há previsão no contrato social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6610, 6 ago. 2021.
HOOG, Wilson Alberto Zappa. Balanço especial ou determinação para apuração de haveres e reembolso de ações. Curitiba, Juruá, 2017, p. 64.